"Chère Clarice, multiple et une"
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E se a escritora brasileira Clarice Lispector fosse muitas?
E se ela fosse todos os seus personagens?
A atriz Gabriela Scheer nos dá, no seu espetáculo Une Personne, a sua resposta.
De uma estante de livros, das folhas de um jornal, Scheer desfila os textos de Clarice, partindo das crônicas escritas para o Jornal do Brasil, mas sem excluir seus contos ou romances, como Água Viva, entre outros.
A escolha é inteligente e cria a tensão dramática necessária ao palco, o que nem sempre é verdade nas transposições de textos literários para a cena.
O espetáculo é simples, a atriz oscila entre as personas, todas femininas, da escritora com agilidade e, mesmo se estranhamos no início uma grande agilidade, característica que raramente assimilamos à autora, descobrimos rapidamente que o que este em jogo é a própria questão do personagem, da criação de um retrato fragmentado, tal os textos escolhidos.
A agilidade de Gabriela é tamanha e impressiona.
Seu corpo preenche rapidamente as falhas da encenação que, visando uma precisão e uma coordenação perfeita entre gesto, voz, música e luz, muitas vezes revela que uma opção mais simples, centrada na atriz, poderia ser mais interessante.
Vale realçar que o desenho de luz explora ao máximo as possibilidades do palco e ajuda ao espectador a compreender as mudanças de personagens.
A música acrescenta pouco, e os efeitos sonoros de máquina de escrever, entre outros, seriam suficientes como elemento de encenação na composição subtil da escritora que nos traça o espetáculo.
Gabriela empresta a sua voz aos tantos perfis psicológicos de mulher do universo lispectoriano, oscila do registro sacana de uma brasilidade caricatural à dor imensa da criação que expressa Clarice, mas também passa do amor ao riso, do choro ao tom narrativo. Poderíamos simplesmente fechar os olhos para sabermos estar face a face com uma grande atriz, mas seu corpo ultrapassa o texto, soma a este a carne, o físico, o peso e a leveza dos personagens, muitas vezes em contraponto à voz, o que cria uma polifonia de estranha beleza.
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